Ao quinto dia de 2021 morria João Cutileiro, pessoa que me marcou de forma mais intensa do que o seu gesto, nos finais de 2010, podia pressupor. Grávida do meu primeiro filho, visitei Évora e procurei o escultor na expetativa de adquirir uma peça que representasse a gravidez. Na ausência da escultura procurada, João Cutileiro pediu-me tempo para que pudesse desenhar e, no dia seguinte, eu escolhia 3 desenhos em que me vi como mulher grávida e como mulher mãe. Não houve preço para os desenhos: João Cutileiro oferecia-me, a mim que conhecera apenas no dia anterior, a história mais bonita da gravidez.
Em 2021, retomei, a propósito de um outro projeto fotográfico, Sophia de Mello Breyner Andresen devido à importância que a escritora tem na minha construção expressiva e criativa. Na pesquisa realizada, apercebi-me da conexão entre a escritora e o escultor.
2021 foi, por isso, o ano de relembrar as pessoas que, através de artes tão distintas, me tocaram: Sophia desde as primeiras leituras, Cutileiro desde a primeira gravidez.
Neste projeto, ainda em desenvolvimento, o encontro dos dois é explorado desde Lagos, onde se conheceram e onde eu passei as primeiras férias de verão da infância, percorrendo outros locais chave, como Évora e Porto, cidades que entoam a repercussão das suas obras na minha vivência, num percurso que se faz até à Póvoa de Varzim, cidade onde nasci.
Cutileiro fotografou Sophia, Sophia dedicou-lhe um poema, como essas, outras ligações (mútuas) mereceram ser trabalhadas imageticamente, numa cadência também geográfica (de Sul para Norte). O resultado são as (para já) 4 imagens de “Mútua”, numa sobreposição de 2 negativos de 35mm, um referente à escritora, outro ao escultor, sempre no rasto que os dois, mutuamente, me deixaram.
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